segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
REGRESSO AO LOCAL DO CRIME 48
Sabemos o quanto gostarias de estar aqui connosco, cachimbo ao canto da boca, a agarrar com os olhos os sentimentos de felicidade que, neste primeiro domingo do Advento, rodeiam o histórico Mercado de Natal de Lubeck.
Se olhares bem, verás que estamos encostados ao balcão daquela barraquinha, copos nas mãos, a beber um quente e aromatizado “Gluhvein”, entretendo os sentidos, desajeitamente, porque bebemos apenas a pensar em ti e não contigo, porque os braços não são longos para que os possamos abandonar nos teus ombros.
Dizer-te também que este ano ainda não nevou.
Por aqui, sempre que viermos até Lubeck, e até à véspera de Natal, iremos ficar a torcer para que seja para o ano o tal «White Christmas» que passes connosco, serenamente branco, e a acreditar que um pouco de paz é possível... pouco que seja!
Mensagem de amigos alemães
Anexada vinha uma fotografia que ele esteve tentado a colocar aqui, mas admitiu, porventura erradamente, que não teria muito a ver com regressos ao local do crime.
O texto também não, mas a imaginar o mail do dono do Kioske a chegar: então, a prosa para hoje?, lembrou-se do Eça, ao ouvir os passos do empregado do jornal a subir as escadas para levar o artigo, que há sempre um Bei em Tunes para matar.
Na véspera tem-se dito ao director do jornal, apertando-lhe ferventemente a mão, e com a voz a tremer:
—Palavra de honra, menino. Pela minha vida, que tens lá o artigo, além de amanhã, às nove horas. Eu sou incapaz de te comprometer! Juro-to, pela alma de meus filhos... Boa noite. Lá o tens!
Depois, naturalmente, como você sabe, não se pensa mais no artigo. Mas, cruel destino! no dia aprazado, lá toca a campainha, lá chega, fatal, implacável, irrevogável — o moço da tipografia!
É horroroso. Sobretudo quando ele usa botas que rangem! Fica à espera, passeando no pátio ou no corredor: e aquele lento gemer de solas tristes, cadenciado e acusador, alucina!
E cá no nosso gabinete, que pavorosa luta! As cinco tiras de papel ali estão sobre a mesa, lívidas, irónicas, vazias: e é necessário enchê-las todas, de alto a baixo, com coisas extraídas do nosso interior.
Ah, caro Chagas, é daí que vêm as cãs precoces. Sabe você o que eu fiz numa destas agonias, sentindo o moço da tipografia a tossir na escada, e não podendo arrancar uma só ideia útil do crânio, do peito, ou do ventre? Agarrei ferozmente da pena e dei, meio louco, uma tunda desesperada no bei de Tunes...No bei de Tunes? Sim, meu caro Chagas, nesse venerável chefe de Estado, que eu nunca vira, que nunca me fizera mal algum, e que creio mesmo a esse tempo tinha morrido. Não me importei. Em Tunes há sempre um bei: arrasei-o.
Eça de Queiroz em «Notas Contemporâneas»
Colaboração de Gin-Tonic
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