sábado, 20 de outubro de 2012

COURT DE TENNIS


Aquela situação havia sido uma autêntica humilhação para mim…

Eu, que na altura era assim uma espécie de Cristiano Ronaldo na disciplina de Francês no Colégio Moderno, não ter dispensado da oral no Exame do 5º Ano liceal não lembrava ao Camões e havia causado uma profunda consternação à minha querida Professora Drª Dulce Branco, que havia apostado em mim para a Bola de Oiro.

Mas eu não estava demasiado preocupado em relação ao futuro… O meu forte até era a conversação e não a escrita, pelo que, se não me enervasse, seguramente que iria dar um baile na oral…

A minha preocupação era outra…

Já no interior da sala de exames, instalada no ginásio do Colégio, olhava ansiosamente para a porta sem ver chegar o meu amigo João Pedro. Ele tinha-me dito que iria à Baixa logo a seguir ao almoço, mas que depois viria assistir ao exame para me dar uma mãozinha de solidariedade.

Mas para a solidariedade dele estava-me eu bem nas tintas…

Eu queria era vê-lo chegar com aquilo debaixo do braço, porque ele tinha-me dito que a Mãe lhe havia dado dinheiro para o comprar.

Levou algum tempo a chegar mas chegou, e sentou-se numa das filas atrás de mim, embora dentro do meu ângulo de visão.

E tirou-o cá para fora, mirando-o e remirando-o. Parecia que tinha um especial prazer em fazê-lo, porque o fez vezes sem conta enquanto eu aguardava, impacientemente, que chamassem pelo meu nome para me poder sentar ali naquela cadeira isolada defronte da examinadora e acabar com esse suplício.

O suplício não era a oral, claro está… Mas a impossibilidade física de pegar naquele disco em cuja capa um Bob Dylan olhava para mim fixamente e com ar de gozo, como se se preparasse para me tirar o chapéu em saudação especial...

O meu nome soou, finalmente, e voei para a cadeira com uma rapidez e uma determinação tais que deixaram a própria examinadora admirada.

A coisa começou a correr bem logo de início e as minhas respostas saíam rápidas e certeiras, para ver se aquilo acabava o mais depressa possível, porque continuava a imaginar o disco a ser, lá atrás, virado e revirado nas mãos do meu amigo João Pedro.

À medida que avançávamos a examinadora sorria-me cada vez mais, como se ela própria não conseguisse esconder a sua satisfação pela forma como as coisas se estavam a passar…

A determinada altura – penso que estaríamos, então, a falar acerca dos meus desportos favoritos, mas não o posso garantir… - perguntou-me se eu sabia o nome do campo onde o Ténis se jogava, como se aquela fosse a última e a decisiva questão…

“Court de tennis!”, disparei-lhe eu logo à queima roupa, sem pestanejar.

E ela sorriu-me o seu derradeiro sorriso dessa tarde, porque a coisa acabou logo a seguir.

E eu sorri com ela.

Lá atrás terá sorrido também, segundo ele me confessou depois, o meu amigo João Pedro, que se lembrava muito bem que poucos dias antes desse exame havia passado pelas mãos de ambos uma aventura do Astérix no original francês, na qual um dos personagens se chamava, precisamente, Courdeténis…!

Num ápice saí da sala de exames, libertei-me dos braços da minha querida Professora de Francês que me felicitava pela excelente prestação e peguei, finalmente, no disco, observando-o, então, com todo o carinho.

E voámos logo para a Visconde Valmor, sem mesmo eu ter querido saber com que classificação final me haviam brindado. No dia seguinte logo se veria…

Muitos diziam mal, mas daquele Dylan eu gostava…

Não em especial de “Lay, Lady Lay” que, de tanto ouvida, já cansava…

Mas de outras menos passadas, tal como “One More Night”, cujo solo inicial me deixava ficar em pele de galinha…

One more night, the stars are in sight
But tonight I’m as lonesome as can be
Oh the moon is shinning bright, lighting everything in sight
But tonight no moon light will shine one me

É claro que estava longe de ser o melhor de Mr. Zimmerman, o Poeta, como mais tarde haveríamos de perceber…

Mas que se lixasse…!

Era Nashville e em Nashville, no que respeita às letras, tudo era permitido…

Colaboração de Luís Mira

4 comentários:

josé disse...

Ontem comprei num alfarrabista dois discos single: um do Conjunto Maria Albertina que contém Ave Maria do Coração, Santa Luzia, Senhora do Sameiro e Esticadinho.
O single é da Rapsódia, não tem data, mas diz que um dos vocalistas é Manuel Barros que é o mesmo do Conjunto António Mafra.

Os quatro temas do single são de antologia da música popular portuguesa desintelectual.

Não tem ano de publicação mas não andará longe do Nashville Skyline.

A melodia de Ave Maria do Coração nada deixa a desejar às melhores de Nashville Skyline, vindas da América profunda do conservadorismo redneck de Nashville.

Cito isto pelo propósito da coincidência e ainda por outro motivo:

A prensagem da época era inglesa ou americana?
Tenho a edição desse disco da Rádio Triunfo portuguesa com uma impressão gráfica horrenda, mas como me custou 510$00 duvido que fosse de 1969 ou pouco depois.

Quanto ao texto explicativo é disto que o meu povo gosta: apreciações críticas personalizadas em tempo lugar e modo, com histórias de permeio e escrita escorreita.

Ah! E já me esquecia: o outro single é da Tonicha. Menina, que ganhou o VII prémio da canção tv, em 1971. Uma maravilha de composição, voz e interpretação que em vinil soa ainda melhor.

josé disse...

E com uma volta pelo Google descobri que o compositor daquela Ave Maria do Coração, de 1963, é este

Francisco Gouveia

Não tem direito a referência em livros, provavelmente, mas influenciou mais a música popular desintelectual do que muitos outros...

Luís Mira disse...

Boa noite José,

Como se depreende da leitura do texto, o disco em questão não é meu...

Ainda liguei ao meu amigo para tentar dar uma resposta correcta à sua questão, mas encontrei-o no estrangeiro de onde só regressa no final desta semana.

Não tenho qualquer memória da prensagem do vinil, mas as capas americanas da época eram, normalmente, mais grossas do que as inglesas e não me parece que fosse esse o caso.

Quase de certeza que se tratava de uma importação inglesa...

Um abraço!

LM

filhote disse...


Belo texto!

Há bruxas! Ontem à noite, relendo o excelente livro "Are You Ready for the Country?", de Peter Doggett, ouvi "Nasville Skyline" duas vezes seguidas!

Também amo este Dylan. Este e muitos outros.

"Nashville Skyline" terá sido o primeiro LP em que alguém venerado pelo universo Rock - e antes pelo Folk - se "entregou" de alma e coração ao Country. Por isso, um disco importante.

Dylan, poucos o sabiam na época, era confesso admirador de artistas como Hank Thompson (também eu!).

Nota: a guitarra que Dylan exibe na capa era de George Harrison - o Beatle estava presente no momento da foto.