domingo, 1 de abril de 2012

THE END OF THE LINE...


Eu acho que já o referi algures por aqui, não me lembro bem onde, e não gosto muito de me repetir.

Mas a verdade é que, embora tenha acabado de fazer 58 anos, não sou daqueles que passam a vida 
a dizer, nostalgicamente, que música boa era aquela do meu tempo, e que a dos dias de hoje é uma trampa impossível de se ouvir…

Tretas!


Acredito que a boa música é universal e intemporal.


O que acontecia nos meus belos tempos de artista quando jovem, e já não sucede hoje, é que tinha 
toda a disponibilidade do mundo para ouvir boa rádio, ler algumas das melhores revistas de música que os meus amigos me emprestavam (eu só tinha dinheiro para ir ao Cinema e era um pau…) e trocar repetidos com gente bem informada na matéria, embora, por vezes, com gostos musicais nem sempre coincidentes com os meus.

A Música ocupava, nesses tempos, um espaço na minha vida que hoje já não pode ocupar da mesma 
maneira. Tratava-se de uma autêntica paixão obsessiva! Passava horas estendido na cama a ouvi-la. E se, na altura, me dessem a escolher entre ouvir música e namorar, se não pudesse fazer ambas as coisas em simultâneo certamente que escolheria a música…

Tal como Camões o disse em relação ao Amor, eu também poderia ter dito que, para mim, Música 
era fogo que ardia sem se ver, um contentamento descontente, um solitário andar por entre a gente…

Acredito, por isso – e tenho oportunidade de o comprovar de vez em quando - que há por aí música 
magnífica, tão boa ou melhor do que a do meu tempo. A dificuldade está em agarrá-la, quando deixou de se ter a mesma disponibilidade do passado…

Embora partindo destes pressupostos, não deixa de ser verdade que das larguíssimas dezenas de 
CDs que compro anualmente, uma boa maioria são de música mais antiga, muitas vezes até de muito antes de eu próprio ter nascido.

Mas compro, também, muita música dos nossos dias, sobretudo da tal família musical de que mais 
gosto – a Folk – na qual vou jogando mais ou menos pelo seguro, arriscando aqui e acolá mas, quase sempre, trabalhando com rede. Às vezes utilizo as colectâneas para descobrir novos nomes e, depois, uns nomes vão puxando pelos outros...

O que deixei de fazer, tais os sucessivos “barretes” que fui enfiando ao longo do tempo, foi ir a 
correr comprar a última maravilha do “novo Dylan” descoberto pela Y ou pelo Expresso. Hoje, já nem sequer sigo as recomendações do João Lisboa, com quem sempre tive alguma comunhão de gostos, porque também foram muitas as vezes que me enganou…

O que faço, então, para me manter a par das tais “outras músicas”, é muito simples: espero pelo 
final do ano para ver as listas das “Melhores” escolhidas por alguns jornais e revistas nacionais e estrangeiros (e, neste último aspecto, este “blogue” tem-me sido muito útil…) e tento encontrar um denominador comum.

Foi assim que, já este ano, decidi encomendar, entre outros, os últimos ou os primeiros, consoante os casos, de gente como P. J. Harvey, Fleet Foxes, Kate Bush (Kate Bush, imaginem...!!!), Bon Iver, James Blake, Kurt Vile, Laura Marling, Anna Calvi, St Vincent...


Não são todos maus, mas a verdade é que nenhum deles me encheu completamente as medidas e 
não descobri nada de particularmente deslumbrante.

E, sobretudo, o resultado final não justificou, minimamente, o investimento efectuado, em tempo e 
dinheiro…

Mas em boa verdade, o grande culpado sou eu…


Já me devia ter deixado destas coisas quando, há já uns bons anos atrás, apanhei um dos maiores 
barretes da minha vida com uns tipos que se chamavam Franz Ferdinand, inquestionavelmente o melhor disco do ano para muitíssimo boa gente…

Num indesculpável e pouco civilizado acto irreflectido, tipo Sousa Cintra, esses desgraçados saíram 
a voar pela janela do meu carro, ao melhor estilo dos discos voadores da ficção científica barata dos anos 50…

Ou até, bem vistas as coisas, muitos anos antes disso, quando o Miguel Esteves Cardoso, então 
meu Assistente de Sociologia Política no ISCTE, me aconselhou a comprar o primeiro disco dos Smiths e a deitar fora todo o resto da minha colecção.

Por sorte, só segui parcialmente o conselho, mas quem foi posto fora de casa, pouco tempo depois, 
foi o disquinho dos Smiths, embora esse tenha saído pelo seu próprio pé, de braço dado com quem o poderia amar com muito mais força e maior dedicação do que eu…

Não tivessem sido as “Old Ideas” do velho Cohen bem melhores do que as “new ones” desta gente, 
este começo de ano teria sido, para mim, musicalmente dramático.

Mas estará todo o Mundo enganado acerca da qualidade destes discos e serei eu, sozinho, o único 
detentor da Verdade Absoluta…?

É claro que não…


Esta música terá, certamente, a sua qualidade, mas eu é que já não tenho paciência nem 
disponibilidade para me entusiasmar com ela.

Ou o som me soa algo estranho e já não sinto, sequer, vontade de o deixar entranhar…


Ou então soa-me demasiado familiar e, nalguns casos, conheço-lhe quase toda a árvore genealógica: 
o avô, o pai, os familiares do primeiro grau da linha colateral, e por aí fora… E prefiro sempre os originais às imitações, mesmo quando estas me parecem ser de boa qualidade…

Mas o cansaço deverá estar mesmo dentro de mim, porque até gente de quem, habitualmente, gosto 
muito me deixou relativamente indiferente este ano.

Exemplos…? Bastarão dois.


“Apocalypse”, de Bill Callahan, que encantou tanta gente, não acrescentou rigorosamente nada ao 
que dele anteriormente conhecia…

E ainda mais grave me parece ter sido o caso de Gillian Welch, de quem tanto gosto, e que 
conseguiu fazer com o ultra-badalado “The Harrow & The Harvest” o pior de todos os seus discos. E eu sei bem do que falo, porque os tenho a todos lá em casa…

Andava eu torturado com estes amargos pensamentos quando um destes dias, de manhã, um gajo do 
outro lado do espelho resolveu meter conversa comigo:

P. J. Harvey, James Blake, Kurt Vile, Fleet Foxes…?

Já tens 58 anos, rapaz. Boa idade para meteres algum juizinho nessa cabeça…


O que é que tu esperas…?


Discutires com os teus netos, daqui a 15 anos, a música que eles devem ou não devem ouvir…?

Deixa-te disso…


Se nem sequer com as tuas filhas o conseguiste fazer, queres vingar-te, agora, nos teus netos…?


É claro que elas se mostraram, sempre, muito entusiasmadas com os diversos Triffids, Cowboy 
Junkies ou Walkabouts que lhes quiseste impingir, mas vai lá tu perguntar-lhes se se lembram de uma só música desses gajos… E se, em contrapartida, não têm reservada no cantinho do coração uma passagem secreta para os Bob Marley, os UB 40 ou os Bryan Adams desses tempos…


Sim, é verdade que, quando eram pequenitas, muitas vezes adormeceram ao teu colo a ouvir as 
calmas sequências de “A Gift From A Flower To A Garden”, do Donovan, ou as músicas para crianças do Tom Paxton ou dos Peter, Paul & Mary, mas pensas que se recordam de alguma delas…? O que gostariam, certamente, era de voltar a brincar aos clássicos com a Ana Faria, ou de ajudar de novo a voar o passarinho do Tó Maria Vinhas…


O melhor que conseguiste fazer foi pô-las a gostar de Simon & Garfunkel mas, em contrapartida, 
tiveste de engolir a afronta de as ver gostar do Cat Stevens, um dos teus principais ódios de estimação…?


P. J. Harvey, James Blake, Kurt Vile, Fleet Foxes…?


Não me lixes…


Encosta à box, rapaz… Fim da linha! Admite que a música destes tempos, para ti, acabou.


Tu devias era vestir o teu belo roupão ao final do dia, pôr um lencinho à volta do pescoço, calçar 
as pantufas, e ficar tranquilamente sentado no sofá a ouvir um bom Concerto para Piano do Rachmaninoff.


Quem sabe se não te apareceria à janela aquela simpática vizinha, a quem costumas sorrir de 
manhã na banca dos jornais. E quem sabe também se, como no filme do Wilder, ela não gostará de pôr no frigorífico a roupa interior, nos dias de maior calor…


Como disse uma vez o Bogart ao Woody Allen, o único grande mal que te poderia acontecer era 
ela ser virgem ou mulher-polícia… Ou pior ainda, digo-te eu, sócia do Benfica…


Mas experimenta e logo verás…


Se a coisa pegar, inventa no Verão uma ocupação urgente e despacha a família para o Algarve. 
Dirás que vais para baixo na sexta à tarde e só regressarás a Lisboa na segunda de manhã, que cai sempre bem…


Mas, mesmo que não tenhas pachorra para o Rachmaninov, larga-me lá a P.J. Harvey, o James 
Blake, o Kurt Vile e os Fleet Foxes…


Fica-te pela musiquinha de que gosta e sempre gostaste e manda às urtigas essa história das 
melhores do ano…


Tens os ouvidos já tão cansados de tanta música que, provavelmente, jamais irás conseguir 
entender o que de bom e de original esta nova geração poderá ter para te oferecer. Ou talvez, bem lá no fundo, até já não tenhas mesmo é vontade. Falta de pica, entendes…?


Back to the basics, Boy…


Falando, apenas, de uma Família que te é muito querida, quantas músicas haverá de Roger 
McGuinn, Gene Clark, Clarence White, Gene Parsons, Chris Hillman, Bernie Leadon que nunca te passaram pelo estreito…? Muitas, certamente…


Então de que é que estás à espera, em vez de estares a gastar o teu tempo e o teu rico dinheirinho 
em P.J. Harveys, James Blakes, Kurt Viles ou Fleet Foxes…??? Mas olha, não desaproveites tudo… Não ponhas completamente de parte essa história da vizinha do lado, que depois logo se verá…


Engoli em seco, sorri para o gajo do outro lado do espelho e bati-lhe a pala.


Quem ficará a ganhar é a Louie Louie, que não tardará nada receberá, ao preço da uva mijona, 
uma dúzia de disquinhos novinhos em folha…

E a Amazon, claro está…. Delivey estimate Wednesday, March 28, 2012!


Colaboração de Luís Mira

7 comentários:

filhote disse...

Bela crónica!

Porém, apesar dos nossos gostos antigos e comuns, continuo a amar os Fleet Foxes, a maravilhar-me com os Monsters of Folk, e a considerar interessante o Bon Iver.

Última maravilha do Dylan?... para mim, já lá vão uns anitos... "Time Out of Mind"...

E, sim, também detesto os Smiths e os Franz Ferdinand. Não acrescentaram nada na minha vida. O mesmo não poderei dizer do "Gato Esteves". Lamento.

Quanto à inspiradora família Byrds, jamais a abandonarei, e seria capaz de passar uma vida a ouvi-la.

Amigo Luís, já que chegaste tão longe, não desistas agora. Ainda não experimentaste o disco de estreia de Jonathan Wilson?... instigante!

filhote disse...

Errata: não quis falar do primeiro disco solo de Jonathan Wilson, mas sim, do segundo... "Gentle Spirit" (Bella Union - 2011)

Para quem não sabe, este é o mesmo Jonathan Wilson da banda americana Muscadine.

Jack Kerouac disse...

Belo texto, comecei a ler isto sem saber quem tinha escrito, e ao fim de duas linhas já adivinhava que era do LM, é o estilo do escritor talentoso. E que bem que ele escreve, especialmente quando fala do que é importante e não desperdiça tamanha inspiração para se libertar dos fantasmas que o perseguem desde menino.

Abraço

Luís MIra disse...

Imagino que isto seja como a droga...

Anda um homem a esforçar-se para se ver livre dela e aparece-lhe logo à esquina um "passador" com promessa de material "five stars" acabadinho de chegar da Colômbia!

Vinda a sugestão de quem vem, é claro que já a registei para compra imediata. Depois lhe darei notícias...

Quanto a Bon Iver e aos Fleet Foxes, qualquer um dos discos tem boas músicas mas, sinceramente e para mim, nada de verdadeiramente apaixonante. Apenas isso...

Tenho lá por casa o disco dos Monsters of Folk e confesso que é provável que tenha sido um disco mal ouvido, até porque logo de seguida o emprestei. Faz parte daqueles a quem já tinha decidido dar uma nova oportunidade.

A primeira sensação que me deixaram foi que, em conjunto, nada de particularmente relevante acrescentaram ao que já tinham feito a solo ou nos seus grupos de origem.

Finalmente, é um prazer ver chegar Jack Kerouac nesta 2ª feira, fresquíssimo e completamente refeito do Grande Susto...

É como ver o carro de um Amigo dar três cambalhotas em plena autoestrada, sair disparado por cima dos "rails" e, quanto já estamos, de coração aos pulos, a imaginar o pior, vê-lo saír lá de dentro, cara suja, roupa rasgada, a tremer de cagaço, mas sem uma única beliscadela...!

Se eu fosse a ti não hesitava, Caro Jack. Há várias Igrejas lá para as bandas da Infante Santo que estão abertas ao final da tarde para a Missa das Sete...

Boa semana para ambos e um grande Abraço do

LM

Luís Mira disse...

Apercebo-me agora que, vá lá saber-se porquê, tanto os comentários que aqui deixei à hora do almoço , como os no "post" dos UHF na FNAC, desapareceram completamente...

Terei de resumir, porque o texto era relativamente longo.

Ao Filhote dizia que tanto o disco dos Fleet Foxes como o do Bon Iver tinham alguns bons momentos, mas, para mim, nada de verdadeiramente apaixonante.

Dizia-lhe, também, que tenho cá em casa o disco dos Monsters of Folk, talvez a merecer uma audição mais atenta porque, mal chegou, saiu para empréstimo e levou algum tempo a regressar. Lembro-me de, quando o ouvi, ter chegado à conclusão que nada acrescentava de particularmente interessante às obras amteriores, a solo ou em grupo, de alguns dos intervenientes que já conhecia. A rever, portanto...

Finalmente, agradecia ao Filhote a sugestão e dizia-lhe que não iria deixar de encomendar o disco do Jonathan Wilson, coisa que, entretanto, já fiz.

Mas acrescentava que isto era como no mundo da droga... Andava um gajo a tentar regenerar-se e aparecia-lhe logo à esquina um "passador" a dizer-lhe que tinha material "five stars" acabadinho de chegar da Colômbia...!

Ao Jack Kerouac, louvava-lhe o ar fresco e bem disposto, e expressava o meu contentamento por ele ter sobrevivido, aparentemente ileso, ao Grande Susto...

E dava-lhe um conselho que, agora, já será tarde para pôr em prática: aproveitar alguma das muitas Igrejas que existem lá para as bandas da Infante Santo e que abrem ao final do dia para a Missa das Sete...!

Boa semana!

Um Abraço do

LM

(S)LB disse...

Excelente prosa...as usuall, caro xará! sabe que sou fã incondicional do seu estilo!

...na forja ,mais um para o prelo? Isso é que era!

Tb tenho guardado no meu coração um cantinho muito especial para os down under 'The Triffids', sendo o 'Born Sandy Devotion' do melhor que passou pelos meus tímpanos!

P.S. Obrigado por me ter relembrado o passarinho do Tó Maria Vinhas, que já há mt tinha voado da minha gaiola!

Luís MIra disse...

Voz Amiga disse-me que havia aqui uma resposta a dar ao Caro (S)LB...

Obrigado pelo incentivo!

Projectos na forja até tenho um, mas não ouso sequer confessá-lo... Perderia, de uma penada, 90% dos meus Amigos...

Quanto ao "Born Sandy Devotional", é fabuloso, como só pode ser um disco que tem uma música que se chama "Tender is Night"... E "The Wide OPen Road" também é um tema inesquecível.

E quando é que tenho o prazer de o conhecer pessoalmente...? Não me diga que é quando o Benfica ganhar o Campeonato, porque não irei suportar tão longa espera...!

Um abraço do

LM