quarta-feira, 25 de março de 2020

SAM SHEPARD – MR. WILLIAMS


No seu livro de crónicas de viagem “Days Out of Days” (2010), que na minha edição francesa se chama “Chroniques des Jours Enfuis”, Sam Shepard tem um texto acerca da morte de Hank Williams.

Não é das melhores peças saídas da mão do autor de “Crónicas Americanas”, mas tem a enorme vantagem de se poder juntar a nós à conversa, como que aderindo à versão da morte no hotel.

Nessa crónica a história é contada através do porteiro do hotel, que jura ter visto Mr. Williams morto e bem morto... Morto e rígido como uma estaca... E terá sido o médico, com a injecção que lhe deu, quem o matou...

Mas vestiram-no assim mesmo...

Um fatinho azul claro.

Uma camisa de um branco imaculado.

Uma gravata amarela com uma pequena palmeira bordada a meio.

Botas de um preto cintilante, com pequenas guitarras e notas de música encrostadas.

E um chapéu Stetson branco creme bem enfiado na cabeça.

Arrastaram-no assim até ao carro, o “chauffeur” de um lado, o porteiro do outro.

Ao atravessarem o “hall” de entrada o rececionista meteu-se com eles, perguntando se Mr. Williams não teria bebido um copito a mais...

Mas o mais estranho, conta ele, é que, apesar de morto, um estranho ruído rouco saia da boca de Mr. Williams, como um impercetível som de folhas levadas pelo vento. O murmúrio da morte, certamente, o último pedaço de ar que se escapa do corpo...

Vê-se tanta coisa quando se é porteiro de um hotel, mas uma destas nunca antes tinha visto.

Um som terrível, de facto.

Estranha coisa esta um homem que passou a sua vida inteira a cantar como um pássaro sublime, acabar os seus dias com um som como este...

Texto de Luís Mira

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