sexta-feira, 30 de novembro de 2018

SUL PROFUNDO


Sabendo que me encontrava a preparar uma viagem prolongada pelo Sul dos Estados Unidos, o meu amigo e vizinho Jorge Barata Preto aconselhou-me a leitura deste Sul Profundo”, de Paul Theroux.

Agradeci a sugestão, dizendo-lhe que desconhecia o autor, o que pouco depois vim a verificar não ser verdade, já que tinha lido anteriormente o seu “A Arte da Viagem”, também editado em Portugal pela Quetzal, embora não tivesse fixado o nome do autor.

Foi-me muito útil a leitura deste livro, embora ele nada tenha a ver com qualquer tipo de “leitura de viagens” tradicional, como inicialmente pensei. Theroux tem uma abordagem algures a meio caminho entre a de um sociólogo, um antropólogo e a de um economista social.

Afasta claramente tudo quanto seja “turístico” ou “cultural” e chega a ser exasperante vê-lo chegar a um determinado lugar e dizer, como o faz por diversas vezes, qualquer coisa deste tipo: “Abundam nesta cidade casas e lugares muito interessantes para se verem, mas a mim não é isso que me interessa…” 

Paul Theroux efetuou três viagens ao “Deep South”, cada uma com cerca de três meses de duração.

Chegava a um lugar com um ou dois nomes que lhe haviam sido indicados como referências, e cada um desses contactos lhe passava, por sua vez,  mais dois ou três, e assim sucessivamente até possuir uma rede já bastante alargada de pessoas com quem falar, algumas das quais voltava a visitar em viagens ulteriores.

Por norma chegava a um sítio e instalava-se durante vários dias. Falava com gerentes de motel, barbeiros, empregados dos correios, empregados de bar e de restaurantes, representantes das Igrejas locais e membros de associações não governamentais de apoio às comunidades.  Gostava, particularmente, de visitar feiras de vendas de armamento pois, dizia, é um dos melhores sítios para nos apercebermos das características de personalidade do americano médio do Sul.

Quando acabei de ler o livro registei de imediato, no próprio livro, as principais conclusões que dele tinha retirado. Como ando há já uns tempos a falar convosco acerca desta região, pareceu-me útil passar-vos também estas “sínteses de leitura”, no preciso estado em que se encontram, isto é, sem qualquer reformulação ou desenvolvimento posterior.

Aqui vai, então:

1) 20% da população sulista vive abaixo do patamar da pobreza. Há zonas mais pobres do que as piores regiões encontradas pelo autor em Africa ou na Ásia;

2) O Governo Federal tem demonstrado pouca preocupação pelo Sul. Apoia mais facilmente outras regiões carenciadas por esse Mundo fora. O mesmo se diga de Organizações não Governamentais tipo Fundação Bill Clinton, oriundo do Sul e pelo qual o autor não parece nutrir grande simpatia;

3) Como principais motivos da pobreza do Sul o autor indica a mecanização da agricultura, que atira a mão-de-obra agrícola para o desemprego, e a fuga de muitas empresas industriais para outras regiões do Globo de MDO mais barata e menores impostos (Ex: Médio Oriente, México, etc);


4) Existem muitas ONGs de carácter não lucrativo que ajudam as populações a suprir algumas necessidades básicas, nomeadamente no que respeita à Saúde e à Alimentação (Ex: recuperação de casas degradadas, construção de novas casas, etc;

5) Ao contrário da ideia que muitas vezes se tem de que o americano é individualista e autocentrado, parecem existir fortes laços de solidariedade social na sociedade sulista;

6) A Religião continua a ser muito importante e a Igreja constitui um forte fator de integração e coesão social;

7) Continuam a existir muitas formas de segregação na sociedade sulista e, em muitos lugares, o Ku Klux Klan permanece ativo e bem visível…;

8) Os relatos do autor ajudam a perceber a vitória de Trump nas eleições de 2017;

9) Curiosamente, nada é dito nem comentado no que respeita à governação de Obama, tendo o livro sido escrito nas vésperas da sua reeleição.

Et voilá!   O livro não me deu espaço para mais…

Acabei por não registar três coisas que achei curiosas e que agora vos conto.

Uma é que Paul Theroux faz no início do livro uma citação das “Viagens na Minha Terra”, de Almeida Garrett, o que me parece interessantíssimo para um autor americano a escrever na América.

Outra é que o autor realça a extrema simpatia e disponibilidade da maior parte das pessoas que encontrou, as quais muitas vezes tomavam a iniciativa de se dirigiam a ele para o ajudarem sem que nada lhes tivesse sido pedido. Isso posso corroborar, porque passei por essa boa experiência várias vezes, nesta e em anteriores viagens.

A última, mais ao estilo de fait-divers, é que o autor conta que quase todos os motéis de estrada que encontrou ao longo da sua viagem são propriedades de indianos de nome Patel… 

Mas isso não tive a possibilidade de comprovar.

Moteis de estrada, verdadeiros moteis de estrada é coisa que a minha Querida Companheira de viagem certamente se recusaria a frequentar, com medo de ser violada por um índio das cavernas, disfarçado de Donadl Trump…! Comigo a assistir em primeira fila, amordaçado e atado a uma cadeira…!

É o que acontece quando se abusa da Netflix…

Texto e imagem de Luís Mira

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