terça-feira, 9 de outubro de 2018

THE HOUSE OF THE RISING SUN


There is a house in New Orleans
They call the Rising Sun
And it’s been the ruin of many a poor boy
And God I know I’m one

(“The House of the Rising Sun” – Versão Animals, 1964)

Já desde os tempos do velho John Ford que sabemos que quando a lenda suplanta os factos, publica-se a lenda…

E a lenda diz que a primeira gravação relevante do chamado Folk-Rock foi “Mr. Tambourine Man”, que os Byrds de Roger McGuinn gravaram em Abril de 1965 e lançaram em Junho do mesmo ano.

Mas “The House of the Rising Sun”, na versão dos Animals de Eric Burdon, foi gravada em Maio
de 1964 e lançada em Junho do mesmo ano, antecedendo, portanto, em cerca de um ano a gravação dos Byrds.

E há até quem garanta que foi precisamente esta versão dos Animals que levou Bob Dylan a tomar a decisão de ligar a sua música à corrente elétrica, o que acabaria por acontecer em estúdio com as gravações de “Bringing It All Back Home” e, sobretudo, “Highway 61 Revisited”, e em público no Newport Folk Festival, na célebre noite de 25 de Julho de 1965, para grande desespero do Pete Seeger que terá procurado a todo o custo encontrar um machado para lhe cortar os cabos elétricos da guitarra…

Porquê então este tão flagrante lapso histórico…?

Por se entender que Folk-Rock é uma coisa americana e os Animals serem ingleses…? Porque
Roger McGuinn, proveniente do meio Folk de Greenwich Village mas já fortemente influenciado pela música dos Beatles, teorizou, de facto, acerca do Folk-Rock, e Eric Burdon não…?

Inclino-me mais para o “efeito Bob Dylan” e por “Mr. Tambourine Man”, na sua versão acústica, ter tido muito mais impacto no meio musical americano daqueles tempos do que “The House”, relativamente obscura na altura, “outside a small circle of friends” da Folk mais tradicional…

Não foi para discutir a genealogia da Folk-Rock que aqui venho hoje, mas a verdade é que isto é como as cerejas…

Qualquer turista saloio que goste um bocadinho de música e que passe por New Orleans vai querer saber onde fica “The House of the Rising Sun”. E eu não fui exceção, claro está…

Alguns, mais crédulos, arriscam-se a comer o gato por lebre que qualquer guia turístico local lhes queira impingir e até podem trazer para casa um “íman” de recordação para colar no frigorifico...

Mas aqueles mais precavidos que se lembrarem de fazer uma simples investigação prévia na Internet já sabem ao que vão e não têm quaisquer ilusões...

É que é impossível, nos dias de hoje, garantir onde ficava tal Casa.

Mesmo a origem da Casa é motivo para grandes discussões. Um bordel…? Uma prisão…? Um
hospital para tratamento de doenças venéreas…? Um lar para acolhimento e “recuperação” de
meninas de má fama…?

Um livro já foi dedicado ao assunto (Ted Anthony – Chasing the Rising Sun, The Journey of an
American Song - 2007), mas acabou por ser, ele próprio, inconclusivo quanto à origem e à
localização.

É que durante os mais de quatro séculos que se pensa que a canção tem, a sua letra sofreu constantes alterações, cada uma delas lançando uma pista distinta.

A própria localização da Casa em New Orleans pode ser duvidosa….

Segundo Ted Anthony, a canção terá a sua origem numa balada inglesa do Séc. XVI que, como muitas outras, foi trazida para a América através das primeiras vagas de colonos. A partir daí e por intermédio daquilo a que se convencionou chamar o “Folk Process”, a letra foi sendo alterada à medida que passava de região para região, e de geração para geração. No início do Séc. passado a canção já era conhecida por “Rising Sun Blues” e é possível que a escolha da cidade se fique a dever ao simples facto de New Orleans ser, na altura, um enormíssimo antro de má fama, tal como, em
geral, toda a região do Delta do Mississipi.

Mas se não há “verdade histórica”, não faltam os palpites…

Um deles diz que no atual nº 826-830 da St. Louis Street (ver imagem) existiu em meados do Séc. XIX um bordel gerido por uma tal Madame Marianne DuSoleil Levant e que viria daí a origem do nome. Esta teoria foi atrativa durante muito tempo e o então proprietário da casa chegou a convidar Eric Burdon para ir lá passar uns dias, convite esse que foi aceite. Burdon ajudou à festa, cantou várias vezes a canção e afirmou que tinha sentido uma estranha comunicação entre a casa e ele (“the house was talking to me…”, disse ele na altura).

Outro garante que a casa na sua origem era realmente um bordel, mas que ficava no que é hoje o Hotel Villa Convento, no nº 616 de Ursulines Avenue.

Outro ainda afirma que a casa era o antigo Rising Sun Hotel, de inícios do Séc. XVIII, que ficava
no nº 535-37 da Conti Street. Escavações recentes teriam trazido à luz vestígios do que fora anteriormente um bordel, pelo que o enigma estaria, finalmente, esclarecido…

Ainda outro assegura que a casa era um Hospital que faria parte integrante do que é hoje o Old Ursuline Convent, no nº 1100 de Chartres Street.

Um outro afirma que a Casa não seria mais do que a velha “Old Parish Prison”, que teria existido entre 1834 e 1894 em Treme Street. Parece que no cimo de um dos portões de ferro do edifício estava o desenho de um sol nascente, e daí…

E outros mais lugares haveria a citar e a visitar mas, para mim, de brincadeira já bastava….

No meio de todo este imbróglio, a única coisa que se pode garantir como verdadeira é que existe, de facto, em New Orleans uma “The House of Rising Sun”: é um Bed and Breackfast que fica do outro lado do rio que os proprietários nomearam em homenagem à canção, mas sem qualquer pretensiosismo quanto à sua origem…

Mas deu-me imenso gozo este périplo pelo French Quarter, à procura da casa do sol nascente…

Como gosto de mistérios e de “filmes de época” a preto e branco, prefiro imaginar um fim de
história ao estilo dos velhos filmes góticos da Hollywood dos anos 40….

Neblina, muita neblina vinda das bandas do rio invade uma casa antiga num beco esconso,
pobremente iluminado por um frágil candeeiro de rua… Um gato afasta-se, furtivamente…. E a
câmara começa a recuar muito lentamente até que o enquadramento se torne cada vez mais
pequeno e tudo acabe num fundido a negro enquanto ao longe se começa a ouvir, baixinho, o
inconfundível acorde da guitarra elétrica de Hilton Valentine, um dos mais emblemáticos de
toda a história da Música Popular…

There was a house in New Orleans
They call the rising sun….

Texto e imagem de Luís Mira

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