Há uns bons anos atrás contei-vos as peripécias que rodearam a morte de Gram Parsons, em Setembro de 1973, e disse-vos que o que restara do corpo dele tinha sido enterrado em New Orleans.
Não foi bem em New Orleans, mas sim em Metairie, que é uma espécie de Amadora lá do sítio mas, à escala americana, longe, muito mais longe…
Estando tão perto, não poderia deixar de lá ir, custasse o que custasse à minha Querida Companheira de viagem (“Cemitérios…! Sempre os cemitérios…!! Que graça é que isso tem…!!??).
O meu GPS, que se portou razoavelmente bem durante as quatro semanas da viagem, não sei se por medo ou por qualquer tipo de superstição, sempre se baralhou todo quando o mandei ir para cemitérios, e este não foi exceção.
Valeu-me a simpatia de um senhor carteiro que, tocando duas vezes à porta de uma moradia num bairro dos subúrbios, teve a gentileza de atravessar a rua para me explicar que o cemitério ficaria umas milhas mais à frente, na estrada principal, defronte da loja do Popeye…
E assim foi…
À entrada daquele cemitério para gente rica, como era a Família de Parsons, senti-me eu próprio o fiel guardião da memória dos Shilohs, da International Submarine Band, dos Byrds de “Sweetheart of the Rodeo”, dos Flying Burrito Brothers, dos Fallen Angels e dos álbuns a solo com a Emmylou Harris.
Com a ajuda do diligente recepcionista, que me explicou que a campa ficava junto de um banco de cimento branco e me fez um “croquis”, não tive dificuldade em a encontrar.
Ela dava ares de não ser visitada há muito tempo. Estava cheia de porcaria acumulada, ervas secas, pequenos bocados de ramos de árvore e tudo o que pudermos imaginar num cemitério a ser levado pelo vento…
Limpei tudo com as minhas próprias mãos, carinhosamente, e dei por mim com a sensação de estar, inconscientemente, a fazer festas naquela lápide de ferro. E só depois reparei no que estava lá escrito, citação de “In My Hour of Darkness”, que faz parte do álbum “Grevious Angel”:
Another young man safely strummed his silver string guitar
And he played to people everywhere
Same say he was a star but he was just a country boy
His simple songs confess and the music he had in him
So very few possess
A que se seguia outro curto epitáfio:
Your soul lives on through your music
Your spirit lives on in our hearts
Estava uma bonita tarde de sol, o lugar era belíssimo e a tranquilidade absoluta, em pleno contraste com a angústia e a agitação em que Parsons tinha vivido os últimos tempos da sua vida.
Havia tempo para interiorizar e gerir as minhas próprias emoções…
Senti que tinha de lhe fazer uma pequena homenagem, mas o quê e como, que nem uma simples flor tinha visto à venda na entrada do cemitério…? Podia ter trazido um charro e uma garrafa de Jack Daniels, mas não faz muito o meu estilo e seria de mau gosto lembrar-lhe ali, naquele sítio, a mistura que o conduzira à morte…
Não havendo vivalma nas vizinhanças para se assustar com a minha pobre voz, resolvi cantar alto e bom som. E a primeira coisa que me veio à cabeça foi “Brass Buttons”, que Parsons compôs em memória de sua mãe:
Brass buttons, green silks and siver shoes
Warm evenings, pale mornings, bottle of blues
And the tiny golden pins that she wore up in her hair
……………………………………………………………………………….. “
Despedi-me, prometendo-lhe que nos voltaríamos a ver em breve quando tivesse oportunidade de o ir visitar a Waycross, onde passou uma boa parte da sua adolescência e a cujas árvores gostava de subir para ouvir o vento.
Just a Sweet country boy…
Texto e imagem de Luís Mira