Hora e meia de brilhante “performance” do é-ié português magistralmente conduzida por um Júlio Isidro em grande forma, um espectáculo dentro do espectáculo.
Pergunto-me do que seria do programa se o mesmo fosse conduzido por um entrevistador do tipo dos programas da manhã, reduzido que fosse a pias e triviais perguntas.
Se Pacheco Pereira fez um “biopic”, Júlio Isidro, assessorado pelo precioso arquivo da RTP e pela e pela não menos preciosa “COLECÇÂO” de LPA ,produziu um autêntico documentário, melhor, um musical ( se o La Feria estiver atento, bem se poderia inspirar em fazer um musical ao estilo do “Passa Por Mim no Chiado” substituindo a revista portuguesa pela história do ié-ié português, sem esquecer todo a recriação do ambiente dos anos 60 tão rico em relevante como multifacetados acontecimentos que incontornavelmente marcariam o resto do sec. XX ).
O momento alto, para além da “Biografia do Ié-Ié” que dispensa comentários, foi a incontida emoção e invulgar sensibilidade de Bacelar ao evocar o encontro com o amigo e também pioneiro, Zeca do Rock, o primeiro a soltar um “yeah” numa gravação, amigo que não via à quatro décadas e que viria a falecer pouco tempo depois, Bacelar que tinha conseguido descobrir material sobre o filme “Paõ, Amor e … Totobola” de 1964 em aquele aparecia fugazmente tocando e cantando “rock”.
Aliás, o programa foi todo ele emoção.
A única crítica para o “livro de raclamações”, foi a lacuna de não passarem o som da matilha de “cães a ladrar” a “Marcianita” ( a expressão é do cantor). É que, cães que ladram não mordem e o ié-íé mordeu que se fartou, não só no programa mas também toda uma irrepetível geração.
Tenho 48 anos. Pertenço àquela geração que a geração anterior à minha apelidou de "geração pepsi" e a que o Julio chamava ofensiva e desajeitadamente "malta da pesada". Fui um típico teenager que frequentava a Av de Roma em Lisboa e o RRVous. Como a grande maiorian frequentadora do tempo e do meio desta minha geração, cresci a gozar o Júlio Izidro. Ainda tolerava algumas das suas febres de sábado de manhã. Mas odiava o Passeio dos Alegres alongando-se naquelas tardes de domingo que eu e muitos desperdiçavamos frente à tv em vez de sír de casa ou ficarem casa a rever a matéria escolar semanal.. O Júlio representava para nós um tipo que quase podia ser nosso pai, que se armava em engenheiro de pontes de outras gerações para a nossa geração: pontes que ignoravamos que pudessem existir e que nos empenhavamos em tentar destruir. O Júlio era aquele tipo fininho e peculiar que tentava ser cool connosco e com as bandas de que nós gostavamos, mas com quem nós gozavamos por detrás das suascostas. Construi em vez de pontes, como ele sempre fez, um ódio de estimaçãopor ele, eu e mais uns milhares largos de exemplares da minha geração. Esse ódio não foi crescendo mas ficou a aboborar na mémoria, porque deixamos de o ver, porque fomos percebendo que o Julio tinha perdido importância num panorama cada vez mais pulverizado e disperso de canais e programas e porque a vida foi evoluindo e porque o tempo foi passando. Dei por mim já por várias vezes a rever e a escutar o Julio em programas actuais, ultimamente na RTP Memória. Com outra vida, com outra perspectiva da própria vida, sempre que revejo e escuto o Julio concluo sempre o mesmo: este gajo é doutro mundo. Vive noutro mundo, como já vivia ha anos atrás. Concluo que o mundo onde o Julio viverá e para onde insiste em nos fazer transportar, a ponte que ele carrega consigo e que nos obriga a atravessar é a ponte da nossa própria vida. O Julio representa a própria resistência ao tempo, ele tem um dom de nos ensinar sem nos impôr, à sua maneira, à sua brilhante e autêntica maneira, que a vida não deve ser levada demasiadamente a sério. Ontem ao ver este programa na RTP Memória, admirei a sua conclusão de que o passado é um sítio óptimo para se visitar, sobretudo acompanhado, mas que o presente é que é a única coisa que verdadeiramente existe. Fiquei depois a pensar: "Quem é que vai substituir este tipo, quando ele partir?" Eu e milhares de tipos da minha geração pepsi choraremos por ele quando partir, os mesmos que o "odiavam de morte" por nos apelidar de malta da pesada, sobretudo esses, que tal como eu perceberam finalmente décadas depois, a razão de ser dessa ponte e sobretudo tiverem a chance de compreender no presente a importância, e a grande humanidade do grande Júlio Isidro.
2 comentários:
Hora e meia de brilhante “performance” do é-ié português magistralmente conduzida por um Júlio Isidro em grande forma, um espectáculo dentro do espectáculo.
Pergunto-me do que seria do programa se o mesmo fosse conduzido por um entrevistador do tipo dos programas da manhã, reduzido que fosse a pias e triviais perguntas.
Se Pacheco Pereira fez um “biopic”, Júlio Isidro, assessorado pelo precioso arquivo da RTP e pela e pela não menos preciosa “COLECÇÂO” de LPA ,produziu um autêntico documentário, melhor, um musical ( se o La Feria estiver atento, bem se poderia inspirar em fazer um musical ao estilo do “Passa Por Mim no Chiado” substituindo a revista portuguesa pela história do ié-ié português, sem esquecer todo a recriação do ambiente dos anos 60 tão rico em relevante como multifacetados acontecimentos que incontornavelmente marcariam o resto do sec. XX ).
O momento alto, para além da “Biografia do Ié-Ié” que dispensa comentários, foi a incontida emoção e invulgar sensibilidade de Bacelar ao evocar o encontro com o amigo e também pioneiro, Zeca do Rock, o primeiro a soltar um “yeah” numa gravação, amigo que não via à quatro décadas e que viria a falecer pouco tempo depois, Bacelar que tinha conseguido descobrir material sobre o filme “Paõ, Amor e … Totobola” de 1964 em aquele aparecia fugazmente tocando e cantando “rock”.
Aliás, o programa foi todo ele emoção.
A única crítica para o “livro de raclamações”, foi a lacuna de não passarem o som da matilha de “cães a ladrar” a “Marcianita” ( a expressão é do cantor).
É que, cães que ladram não mordem e o ié-íé mordeu que se fartou, não só no programa mas também toda uma irrepetível geração.
JR
JR
Tenho 48 anos. Pertenço àquela geração que a geração anterior à minha apelidou de "geração pepsi" e a que o Julio chamava ofensiva e desajeitadamente "malta da pesada". Fui um típico teenager que frequentava a Av de Roma em Lisboa e o RRVous. Como a grande maiorian frequentadora do tempo e do meio desta minha geração, cresci a gozar o Júlio Izidro. Ainda tolerava algumas das suas febres de sábado de manhã. Mas odiava o Passeio dos Alegres alongando-se naquelas tardes de domingo que eu e muitos desperdiçavamos frente à tv em vez de sír de casa ou ficarem casa a rever a matéria escolar semanal..
O Júlio representava para nós um tipo que quase podia ser nosso pai, que se armava em engenheiro de pontes de outras gerações para a nossa geração: pontes que ignoravamos que pudessem existir e que nos empenhavamos em tentar destruir. O Júlio era aquele tipo fininho e peculiar que tentava ser cool connosco e com as bandas de que nós gostavamos, mas com quem nós gozavamos por detrás das suascostas. Construi em vez de pontes, como ele sempre fez, um ódio de estimaçãopor ele, eu e mais uns milhares largos de exemplares da minha geração. Esse ódio não foi crescendo mas ficou a aboborar na mémoria, porque deixamos de o ver, porque fomos percebendo que o Julio tinha perdido importância num panorama cada vez mais pulverizado e disperso de canais e programas e porque a vida foi evoluindo e porque o tempo foi passando.
Dei por mim já por várias vezes a rever e a escutar o Julio em programas actuais, ultimamente na RTP Memória. Com outra vida, com outra perspectiva da própria vida, sempre que revejo e escuto o Julio concluo sempre o mesmo: este gajo é doutro mundo. Vive noutro mundo, como já vivia ha anos atrás. Concluo que o mundo onde o Julio viverá e para onde insiste em nos fazer transportar, a ponte que ele carrega consigo e que nos obriga a atravessar é a ponte da nossa própria vida. O Julio representa a própria resistência ao tempo, ele tem um dom de nos ensinar sem nos impôr, à sua maneira, à sua brilhante e autêntica maneira, que a vida não deve ser levada demasiadamente a sério. Ontem ao ver este programa na RTP Memória, admirei a sua conclusão de que o passado é um sítio óptimo para se visitar, sobretudo acompanhado, mas que o presente é que é a única coisa que verdadeiramente existe.
Fiquei depois a pensar: "Quem é que vai substituir este tipo, quando ele partir?" Eu e milhares de tipos da minha geração pepsi choraremos por ele quando partir, os mesmos que o "odiavam de morte" por nos apelidar de malta da pesada, sobretudo esses, que tal como eu perceberam finalmente décadas depois, a razão de ser dessa ponte e sobretudo tiverem a chance de compreender no presente a importância, e a grande humanidade do grande Júlio Isidro.
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