Realizar um sonho com 30 anos, é uma sensação maravilhosa, mas também significa que é menos um sonho que tenho, transformou-se em memória de algo vivido. Não sei o que prefiro, sonhar é bom, mas recordar é excelente... adiante.
Para um Beatlemaníaco como eu, ir a Liverpool é viver uma experiência entre o místico e o puro divertimento infantil. Assim uma espécie de mistura entre a Disneyland e Meca, uma sensação difícil de descrever, mas como prometi ao LT que escreveria algo sobre a viagem, aqui estou a tentar cumprir o prometido.
Falando da parte prática, optei por um voo directo Lisboa-Liverpool, por ser mais rápido e também para aterrar no Aeroporto John Lennon. Optei pela Easy-Jet, a única companhia que tem este voo directo, e fiquei muito bem impressionado com este voo low-cost, tinha algumas dúvidas em relação a este tipo de empresas, mas posso dizer que correu tudo de forma perfeita, voos a horas, aviões novos, o ideal para este tipo de viagens curtas, e económico, obviamente.
Quando iniciei os preparativos para a ida, apercebi-me que não voava desde antes do 11 de Setembro, sempre preferi as viagens por terra, mas não tinha ainda passado por todas estas “novas” regras de segurança, a maioria das quais apenas servirá para demorar um pouco mais a entrada e saída dos aeroportos, pois parece-me que um “profissional” ultrapassará aquilo com uma perna ás costas.
A passagem do controle de passageiros no Aeroporto John Lennon, processa-se de forma demorada, lentamente, a fazer-me lembrar o Aeroporto de Havana, assim uma espécie de Long and Winding Road, logo a abrir. A ansiedade por estar quase a chegar à fonte de toda esta adoração, era enorme, a longa espera no aeroporto teve a vantagem de permitir observar, ao pormenor, todas as referências a John Lennon, que são mesmo muitas, o que permite o iniciar da saga das fotos, que foram 548 em 5 dias, atrevo-me a dizer que tirei mais nesta semana do que no resto da minha vida.
Liverpool é uma cidade escura, como optei por viajar do aeroporto até ao centro de autocarro, rápido e barato, deu para ir observando os arredores, casas típicas, com as suas fachadas em tijolo, e zonas verdes, até ao aproximar da zona das docas, onde ficava o Hotel escolhido, que se revelou uma excelente opção. Moderno, barato, bom pequeno almoço, e a 5 min a pé das Docas ou de Mathew St. ou do Liverpool One, o grande centro comercial da cidade, com a particularidade de ser descoberto.
A cidade cheira a rio, o Mersey marca claramente Liverpool, passear na sua margem, e admirar o majestoso Liver Building, é o concretizar de um sonho, estar ali num sítio tantas vezes visto, mas nunca presenciado. Olhar o rio, ver os Ferrys Crossing The Mersey, ouvir a música dos Gerry and the Pacemakers como banda sonora na minha imaginação, são coisas que se sentem e não se explicam, tal como fazer a tão sonhada travessia, e ver a linha da cidade no regresso de Birkenhead, são momentos únicos, daqueles que nos fazem sentir o verdadeiro prazer de viver.
Na primeira noite, depois de nos instalarmos no Hotel por volta das 20.30h, fui como que atraído para Mathew St. centro do Universo Beatle, entrar naquela rua pela primeira vez provoca um arrepio, estar à porta do Cavern, a original, imaginar os milhares de vezes que “Eles” por ali terão andado, com a despreocupação de quem era apenas herói de bairro, coisa que nunca mais se repetiu, provavelmente até terão passado ali o melhor tempo das suas vidas.
Eu com esta minha mania de prolongar voluntariamente o prazer maior, tal como deixo a gema do ovo estrelado sempre para o fim, resolvi não entrar logo no Cavern, e fomos comer primeiro. É complicado jantar em Liverpool a partir das 18h, ao que parece os Scousers têm o hábito de não jantar, tomando apenas chá, mas lá descobrimos um pub simpático onde nos deliciámos com uns nachos com queijo derretido, e uns Hamburguers que, com a fome, caíram que nem um manjar de Deuses, bem regados por umas pint de Guinness da minha adoração.
Depois sim, estava pronto para o embate com a “Caverna Sagrada”, descer aquelas escadas, ir vendo os dizeres “welcome to The Cavern” e desembocar na galeria principal, ver o palco onde alguém tocava Beatles, sensação de ter chegado ao destino de uma viagem de 3 décadas... na altura nem o facto de este não ser exactamente o local original teve qualquer importância. E isto era só o início da minha viagem mágica misteriosa.
No dia seguinte, além da manhã com frio e chuviscos, quando tinha saído de Lisboa com 30º, saímos para a rua, e aspirei fortemente aquele ar de Liverpool, ali junto ao Mersey, dirigimo-nos à linda Albert Dock, onde visitámos o obrigatório e interessante “Beatles Story”, que estava sempre cheio de excursões escolares, pois a história dos Beatles faz parte do programa curricular inglês.
Qualquer fã dos Beatles se irá deliciar com este museu, e com a sua completíssima loja, o bilhete dá para 48h e custa cerca de 14£, inclui ainda uma secção localizada em Pier Head, local onde se compra também os bilhetes para os Ferrys, mais dedicada a John Lennon, também com uma loja bastante completa.
À tarde fizemos o passeio “Magical Mistery Tour”, obrigatório, até pelo facto de entrarmos numa réplica do autocarro do filme com o mesmo nome. Curioso o facto do guia, também ele um conhecedor e fã dos Beatles, ter feito o papel de Peter Shotton, no filme “In His Life”.
Este passeio é mesmo uma coisa do outro mundo, por 15£ passa em quase todos os locais relacionados com a adolescência dos Fab, se Penny Lane já estava “in my ears”, passou também a estar “in my eyes”, ver o “Roundabout”, tirar fotos em Strawberry Fields, para junto à casa onde George Harrison passou parte da infância, juntar as peças isoladas do puzzle sempre conhecido, e finalmente ter a noção de tudo no seu conjunto.
E estar em frente da casa da Aunt Mimi e dos McCartney, perceber realmente as origens daqueles que mudaram o mundo, e de certeza que me mudaram a mim também, é algo que não se descreve, sente-se e interioriza-se.
Este passeio é sempre comentado, com humor, como a piada de que “em Liverpool existem duas grandes equipas de futebol, o Liverpool FC e ... as reservas do Liverpool”, que bem podia ser adaptado a Lisboa.... como não podia deixar de ser, visto que pertencem à mesma empresa, o passeio termina no Cavern Club, onde, mais uma curiosidade, o nosso guia se transforma em Barman, local onde trabalha quando o passeio termina. Todo o passeio tem a banda sonora com as músicas indicadas para cada local, muito bem feito.
Depois tive conhecimento, e aconselho, uns taxis que custam 50£ por viagem, e que fazem um percurso ainda mais pormenorizado, especialmente para mais de 2 pessoas já vale bem a pena, este serviço contrata-se na Hard Days Nigh Shop, mesmo junto ao Hotel com o mesmo nome, na esquina de Mathew Str. hotel onde alguns privilegiados pernoitam... na rua do Cavern respira-se ainda mais Beatles do que no resto da cidade, um pouco mais à frente temos “The Grapes”, pub onde os próprios, e todos os frequentadores do Cavern nos anos 60, se dirigiam para ingerirem álcool, visto que no Club não se vendiam bebidas alcoolicas.
Nesse pub, tipicamente inglês, existe um canto totalmente decorado com fotos e cartazes da época, e uma foto dos Beatles tirada no seu interior, ainda com Pete Best, onde eu aproveitei para mais umas pint de Guinness, e sabe bem estar ali, sabendo que em tempos John, George e Paul fizeram precisamente o mesmo.
O dia seguinte começou com um há muito sonhado “Ferry Cross The Mersey”, para mim a música que mais associo a Liverpool, especialmente desde o dia em que, graças ao Daniel Bacelar, pude ver o filme com o mesmo nome, a não perder, por 6£ faz-se a travessia nos dois sentidos, uma espécie de Lisboa-Cacilhas, mas mais místico... para mim.
Para a manhã seguinte a cereja no topo do bolo, a visita completa a Mendips e a Forthlin Road, casas onde John e Paul, respectivamente, passaram a maior parte da sua vida anterior aos Beatles, e onde ensairam várias vezes, e compuseram muitas das músicas que iriam conquistar o mundo, e a América... estas visitas têm vagas muito limitadas, e convém serem marcadas com antecedência pela net, através do site do “National Trust”, a quem as casas pertencem actualmente, e que as mantêm exactamente iguais, falo dos interiores, ao que eram na época.
Mais do que qualquer outro local, entrar no quarto minúsculo de John Lennon, ver o que ele viu durante anos, perceber até certo ponto como era a vida naquelas casas, muito bem explicada pelos "conservadores”, casal que habita na casa da “Aunt Mimi”, que assegura que ninguém tira uma foto que seja no interior, mas também conta todos os pormenores sobre como era a vida entre aquelas quatro paredes, é interessante perceber, no local, as origens daqueles que são adorados ainda hoje por milhões de fãs, o que os inspirou, entender até melhor algumas letras das suas músicas, e a forma de ser e estar. Excelente !
Liverpool não é só Beatles, embora por vezes se confundam, e é uma cidade até bastante acolhedora para visitar, e possível de visitar a pé, e onde se pode comprovar a veracidade de que tem as mais pequenas mini-saias do mundo, mas aconselho também um passeio que fiz, numa coisa chamada “Yellow Duckmarine”, nome inspirado não sei bem em quê.... que é um veículo anfíbio, usado na II Guerra Mundial, e que anda pela cidade e de repente entra no rio, e nos leva a conhecer as imensas docas de Liverpool, por cerca de 12£ são 2 horas bem passadas.
Tem também o tal Liverpool F.C., outra das minhas paixões, esta desportiva e que nada teve a ver com os Beatles, mas sim com o facto de na altura que comecei a interessar-me por futebol, o Liverpool ter uma equipa que ganhava tudo, e fiz questão de ir visitar o estádio de Anfield Road, nos subúrbios da cidade, numa zona bem degradada e com ar perigoso, mas valeu o risco, embora só tivesse visto o estádio por fora, estive no Bill Shankly Gates, enfim.... valeu bem a pena.
O regresso decorreu sem história, nem estórias, e com a conclusão de que afinal para concretizar os sonhos que realmente importam, all you need is love.
Colaboração de Jack Kerouac
19 comentários:
Bela recordação, Jack Kerouac!
Apetece mesmo apanhar o avião e zarpar. Deve ter sido, seguramente, "A Hard Day's Night"...
Ainda um dia hei-de ir a Liverpool e não deixarei, previamente, de te oferecer um pires de caracóis para me explicares os pormenores.
Omitiste, deliberadamente, a cena do depósito da coroa de flores no estádio, mas a gente compreende-te bem...! São coisas muito íntimas...
Um abraço do
LM
Ah Grande Jack...gostei de ler cada palavra, cada imagem, é deste material que os sonhos são feitos!
Obrigado pelo relato, Jack! Muito bom!
Escusado será dizer que fiquei ainda com mais vontade de pisar essa terra sagrada... e, de preferência, com a Rickenbacker às costas... ehehehe... agora, o sonho passou a ser meu!
(quando é que fizeste a viagem? "Agora"?)
Agradeço desde já aos meus caros amigos pela simpatia, mas isto foi mesmo escrito ao correr da pena, ou no caso, do teclado. Felizmente teve a revisão do LT, que é sempre uma mais valia importante.
Luís Mira, estarei sempre disponível para os caracois, e para pormenorizar tudo, acredites ou não, isto está bem resumido... a parte das flores é que não percebi, mas acredito que me irás explicar.
Abel, é mesmo isso, sonhar sempre, como tu próprio já provaste, vale a pena ir atrás dos sonhos.
Grande Pedro, fui agora mesmo, entre 20 e 25 de Junho passado. E tu com essa Ric farias um sucesso, até poderias tocar no palco do Cavern. E se te disser que na visita à casa da Aunt Mimi, és convidado a cantar no alpendre, sítio onde John e Paul ensaiavam por causa do eco...entendes a origem de muitas das músicas dos primeiros albuns, e o porquê de John só gostar de ouvir o som da sua voz com o efeito da câmara de eco....muita coisa para contar ainda, na próxima vez que estivermos à roda de uma mesa.
Ainda faltou um pormenor importante, a Elsa foi comigo, e nem gostava muito dos Beatles...ao fim do primeiro dia já estava rendida....veio de lá uma fã, com t-shirt e outros adereços, depois de a ter tranformado de Portista em Benfiquista, esta foi a maior vitória :)
Abraço
Paulo
Esse pormenor da ELSA é o MAIOR feito, de Portista a Benfiquista e agora a fã dos FAB4...só podes estar orgulhoso It's only LOVE, and that is all...
... o passo seguinte é passá-la para o Sporting e para os Rolling Stones...!
Nada que uns almocitos do Ié-Ié não resolvam.
Quanto às flores, é claro que já estás esquecido da noite de 8 de Abril de 2010...
Belo naco de prosa, Jack.
Para a concretização dos sonhos o "love" é importante mas a questão maior está em querer do fundo da teima dos ossos que eles, um dia, se concretizam.
Gostei particularmente do pormenor do guia que se transforma em barman, Bem à inglesa e muito ao meu gosto.
Um abraço
Luís Mira, claro que me lembro do 8 de Abril de 2010 do de 2011 e de todos os anos antes desses, é o dia de anos do meu Pai, mas não tenho o hábito de lhe oferecer flores, felizmente.
gin, obrigado pelas palavras, essa do guia foi mesmo à inglesa, se te disser que ele quando se despediu de nós no autocarro disse para irmos ao Cavern que era a Happy Hour, e para irmos ter com o barman, que ele nos daria uma lembrança....teve a sua piada quando vimos que afinal era ele.
Excelente crónica na primeira pessoa! Parabéns!
Olha, Paulo, não gostasse eu dos Beatles, e após a tua narração,ficaria a gostar.
É o melhor que sei dizer.
Beijinhos
Luís Mira: ainda a propósito do Liverpool FC, flores daria eu ao Simão e ao Miccoli por aquela noite mágica de 2006...
Um abraço a todos desde a ilha de Wight onde estou agora em férias.
Que inveja, Zeca! "When I'm 64" estarei em Liverpool, mas também não me importava nada de estar numa "cottage" na ilha de wight...
LT
if it's not too dear...
Pois é Filhote, mas, infelizmente, a última imagem é que fica...
O que recordas tu das Antas, nos tempos mais recentes...? Os 5-0, ou os 0-2...?
Também eu vivi com alguma felicidade essa noite de 2006, em casa de Gin-Tonic, quando tinha um bocadinho mais de apreço pelo benfica do que tenho hoje...
Abraço, e que a mostarda não te suba ao nariz...!
Filhote,
Eu às vezes brinco e depois chego à conclusão que as pessoas reagem mal porque não entenderam o alcance da brincadeira...
É claro que me estou a referir à célebre mostarda de Dijon, umas das mais saborosas e mais fortes que há...!
Adoro mostarda, Luís! E agora há uma nova, belga, que aconselho... Witsel... ehehehe...
E concordo 100%... do Dragão, recordo melhor o 0-2... a última imagem é que fica!
Um grande abraço!
Jack, por acaso foi "dear" à brava! O meu sobrinho, que quis reunir 17 membros da família vindos de diversas partes do globo, desembolsou a módica quantia de 4.000 libras por uma semana num casarão com praia privativa. O pior é que o tempo quase nem deu para pôr o nariz fora de casa, muito menos para tomar banhos de mar...
Agora estou em Eastbourne até ao fim do mês.
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