quinta-feira, 16 de outubro de 2014

REGRESSO AO LOCAL DO CRIME 02


Disse ele que hoje começava com as charutadas.

Dêem-lhe, no entanto, a permissão de ziguezaguear um pouco e começar a falar de cigarrilhas.

Eram da marca Alto, mais tarde chamaram-lhe Mercator, as primeiras cigarilhas que fumou.

Só depois daquele dia inicial, inteiro e limpo, os cordões da bolsa abriram ligeiramente e houve a possibilidade de, no tempo do recebimento do ordenado, que era recebido no último dia de cada mês em dinheiro vivo, comprar um charuteco.

Guarda ainda a embalagem metálica do Petit Coronation, made in Havana, da marca Punch de D. Fernandez Palício & Co.

As cigarrilhas comprava-as, avulso, na capelista da Avenida General Roçadas, propriedade da D. Arlete e que ficava entre a Retrosaria Luís e a Barbearia Olímpica.

Nessa capelista também comprou todos os Salgaris, todos os Walter Scott, editados pela Romano Torres.

As cigarrilhas avulso custavam vinte cinco tostões.

Sabe o preço porque no interior da tampa da caixa, a D. Arlete escreveu o preço.

Porque no dia em que o filho nasceu, comprou

Porque no dia em que o filho nasceu, comprou todas as cigarrilhas que a caixa continha e guardou-a como peça de museu, museu dos gostos, dos vícios, dos prazeres da vida.

É esta a caixa.

Num tasco, ao fundo da Calçada do Carmo, junto às escadinhas que dão caminho até à Rua 1º de Dezembro, ocorreu uma jantarada, com amigos, para comemorar o feliz acontecimento.

O tasco ainda lá está e com o mesmo nome: Restaurante O Adriano, mas hoje com um aspecto-todo-CEE e, por isso, mais caro e sem a qualidade de outros tempos.

Berbigões ao natural, filetes de bacalhau, chocos com tinta para uns, escalopes para outros e montanhas de garrafas de vinho verde Casal Garcia.

Final com Pudim Flan, café, aguardente 1920 e as tais cigarrilhas Alto.

À meia-noite, o tasqueiro disse que tinha de fechar a porta.

Alguém alvitrou uma descida aos infernos para umas ginjinhas no Largo de São Domingos.

Depois das ditas, com ou sem elas, uns bateram asas para caselas e outros partiram com a intenção de despejar uns fininhos ao balcão da Portugália e jogar uma bilharada.

É Proibido o Massé!

Às 2 da manhã começou o piscar das luzes a anunciar o fecho de portas.

Era Fevereiro, caía uma morrinha, e as últimas cigarrilhas foram fumadas num banco do Jardim Constantino.

Ao chegar a casa, tropeçou no capacho, um mero centímetro de altura, se tanto.

A mãe estava acordada.

Ainda a ouviu dizer, com o seu costumado glamour.

- Vens bonito!

Colaboração de Gin-Tonic

3 comentários:

  1. Que bom voltar a ler Gin-Tonic! E que texto notável, senhores!!!

    Ri à gargalhada com a frase final... expressão tão portuguesa...

    Entretanto, "há bruxas"! Aqui na rua, Botafogo, Rio de Janeiro, também existe um restaurante Adriano - de portugueses - com uns belíssimos filetes de bacalhau no cardápio.

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  2. E que bem que escreve o Camarada Hugo, este texto fez lembrar outros tempos, de Lisboa e deste Blogue...

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  3. Um bom charuto e um rum El Dorado da Guiana são uma combinação imbatível.
    Em período de mudança da casa, as caixas de Hoyo de Monterrey são preciosas.
    Saudações charutófilas.

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Lamento, mas tenho de introduzir esta chatice dos caracteres. É que estou a ser permanentemente invadido por spam. Peço paciência. Obrigado!